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domingo, março 27

A DESCONHECIDA


Ana, sob um longo suspiro, apoiava suas  malas no chão.
Eram 18h30 pelo relógio da estação.
Olhando tudo em volta, como quem busca algo  familiar, sentou-se.
Havia feito uma longa viagem, passado dias e noites de expectativa, imaginando o que a aguardaria na chegada.
Que cansaço, quanto barulho! -  pensava ela. Quanto tempo a olhar tudo pela janela. Mas, agora, os tempos hão de ser outros.
E depois de muitas horas de espera, um sorriso largo, muito expressivo, embora nada familiar, mostrava-se diante de seus olhos.
- Olá! - adiantou-se Ana.
- Oi! - respondeu  receptivamente a senhora a quem se dirigia.
Há muito aguarda por aqui?
- Sim...
- Aproveitastes para apreciar o jardim? - continuou a figura grisalha, curiosamente.
- Na verdade, não. Estou muito ansiosa.  Acho que as novidades, no geral,  mais assustam-me do que qualquer outra coisa...
E fitando-a com ares de quem já havia tido como íntimos todos aqueles medos, a estranha senhora continuou:
- Não habituara-se ainda a apreciar as belezas do novo? Digo, tudo que é novo inspira-nos relativa insegurança, mas que pode ser contornada se colocarmos nosso coração no vasto horizonte que se abre. É a possibilidade de um outro futuro. Diferente. Cheio de boas novas, dizia animadamente.
Ana, mais uma vez, suspirava... e sorria-lhe meio desentendida.
- Desculpe não ter me apresentado, disse a cinquentona, ajeitando os cabelos acinzentados. Chamo-me Cora. E você?
- Ana. - respondera sorrindo. Sinto-me mais tranquila. Muito agradável conversar contigo,  D.Cora. E a senhora, está chegando... ou partindo?
E, rindo sem graça, Cora respondeu:
- Na verdade nem indo, nem vindo.  Foi que viciei-me na pipoca do Sr. Armando. Se passo por aqui em meu retorno para casa, não resisto, falava ainda entre risos. E hoje, vendo-te com ares aflitos, arrisquei dirigir-me a ti.
- Ah que fizestes muito bem, D.Cora. Penso que nada nesta vida é acaso e, certamente, o severo atraso de quem aguardo, fora providencial, possibilitando nosso encontro tão proveitoso.
Sorriam as duas.
Ana, agora entre suspiros mais leves, arriscava provar o doce da pipoca que lhe era oferecida.

domingo, dezembro 19

UM SONHO ESPECIAL


Ainda esticada na rede, Tamara relembrava seu sonho. Fora numa dessas cochiladas rápidas,  que revigoram mais que noite plena.
No sonho, passeava por alguns cômodos de sua atual existência, revivendo fases, sensações e alguns mistérios já  deixados para trás... alguns resolvidos, outros aguardando momento oportuno.
Com uma calma peculiar pôde conversar com velhos amigos, repartir sorrisos, provar  de  familiares "frios" na barriga, abraçar sua avó...  
No casarão que fora cenário principal de sua infância, a fachada amarelada era a mesma...rústica, cheia de janelas. 
Logo na entrada o cultivo de alecrim e manjericão da matriarca perfumava os arredores.
Tinha também capim-cidreira e hortelã, exclusivos dos chás da tarde.
Na sala, paredes verdes meio descascadas, quase que cobertas  por  tantos retratos. Até o daquele sujeito  desconhecido que sempre lhe intrigara estava lá. Era dono de uma expressão sisuda, imponente... Nunca entendera porque ele compunha as lembranças de família; também nunca perguntou. O aparador predileto de sua tia continuava ali, forrado pelos velhos crochês,  acompanhados unicamente de um solitário...
Sentou-se.
Assistiu algumas cenas de telenovelas junto de seu avô. Ele, entre uma cena e outra, ajeitava os óculos e sorria-lhe satisfeito.
Lá fora divertiu-se com os primos, comeu fruta do pé. Era raro a Mangueira do quintal ficar tão pesada, tão repleta. E aquela era de suas frutas favoritas.
Logo chegaram seus pais. Tamara adorava observá-los.
O pai era para ela aquele "tipão", como se dizia antigamente; a mãe aquela dona charmosa, cheia de encantos, cabelos bem negros, até o ombro, anelados como ela gostaria que fossem os dela. 
Ambos entreolhavam-se apaixonados, bailando juntos um matrimônio que só poderia existir mesmo em  seus sonhos ou em um desses filmes de ficção ultra-modernos, meio complicados de entender...
Como são bonitos! - indagava bem baixinho.
A tarde que se achegava trazia junto, além do chá de cidreira, bolo de fubá e pão quentinho, que ela adorava comer com manteiga. O avô não deixava faltar.
À noite deu para observar  aquela mesma constelação que fora ouvinte de tantos segredos de infância.  Era noite quente, como dessas agradáveis de verão... Fechou os olhos.
O sol seguinte brilhara  diferente; claro, revelador, puro... como olhos transparentes de criança. Encorpado, bonito; tocando sua fronte levezinho, como quem tem medo de despertar o outro do sono providencial.
Seu despertar foi lento, suave... o EU vinha lá de longe, como de uma longa caminhada pela praia. Sentia-se alegre. 
Vislumbrava o amanhã mais colorido. Estava ansiosa por pintá-lo.
Certamente as próximas horas do dia a convidariam para algumas reflexões.
Por hora um chá bastava-lhe.

quarta-feira, novembro 10

O VISITANTE




Pela pequenina fresta da cortina adentravam os primeiros raios de sol.


Sobre a mesinha de cabeceira, algumas flores e um copo com água. Nas paredes apenas um relógio meio empoeirado marcando exatas 10h00.
Jacinta entreabria os olhos. A luz a incomodava. 
Passou a mão pelos cabelos e com esforço saiu de sob os lençois. Inexpressiva, apenas pensava... esfregava o rosto. A alegria do ambiente ficara por conta das rosas que lhe eram, por hora, única companhia. 

Recostada na cama, movia-se com dificuldade em direção ao café da manhã deixado a seu lado, porém faltava-lhe apetite. Ha vários dias acamada, entregara-se completamente à palidez de sua convalescença.
Novamente deitou-se.

De olhos fechados, sentiu repentinamente um calor suave tocar-lhe a face direita; 
A batida leve da porta acusava a presença de um visitante... o calor súbito tomava-lhe o restante do corpo.

Em pé diante de Jacinta, o estranho olhava-a profunda e docemente...
Ela sorria.
Sentia-se arrebatada por uma estranha sensação de ânimo!
- Olá! - disse o homem, com simpatia.
- Olá! - respondeu Jacinta, com curiosidade de criança.

A figura de cabelos claros e vestes azuladas inclinou-se em sua direção. Enquanto ela observava, ele tocava delicadamente sua testa, respirando intensamente. Fitando-a, disse:
Vim para olhar-te de perto, tocá-la de forma mais próxima, sentí-la em seus medos, em seu desconforto... Vim atendê-la.

Revestida de várias nuances e de uma multidão de novos  pensamentos, nada dizia. O sorriso que há muito fugira de suas expressões, mantinha-se fixo agora.

Mais algumas frases, cortaram o silêncio entre as quatro paredes:
Hoje querida, é para ti o recomeço, um amanhecer para horizontes que desde muito buscas afoitamente. Finalmente sinto-a adentrando seu verdadeiro destino e ele, alegremente te dá as mãos. Apenas saúda-o e lembra-te de abraçá-lo sempre.

Retribuindo com afeto, uma lágrima emocionada brotou de seus olhos.
Envolvida e refeita pelos ares pertumados que pareciam carregá-la, deu o primeiro gole em seu café, provou o doce dos pãezinhos que o acompanhavam e sorriu ainda meio confusa. Alegrava-se.

O oxigênio que preenchia seu peito e seus poros era doce. O ambiente puramente cores, a cantoria dos pássaros como novidade para aqueles ouvidos... o corpo era outro.

quarta-feira, julho 14

O ENCONTRO COM DIANA

Frio. Fim de tarde cinzento, desses de outono. Pela falta de cores no céu, a noite chegaria gelada, pensava Ana olhando para o alto.
Sempre agitada entre seus afazeres, parecia correr atrás das horas, no afã de dar primeiro a volta no relógio. Apesar disso dizia-se equilibrada; toda agitatação era circunstancial... tola ela, na tentativa de enganar-se.
Respirou.
Ainda agitada, passava os olhos em tudo que a esperava fora do lugar. Incomodava-se. Organizava seu espaço, como se organizasse a própria vida, correndo incessantemente, inutilmente. Tentava ocupar-se da leitura que arrastava há meses. Lá fora, o tum tum tum da obra vizinha e os cães que latiam em coro, somavam-lhe mais inquietação.
Na cabeça ocupada de Ana, cuja mente estava há léguas do livro aberto em vão, eram muitos os pensamentos, as vontades embaralhadas, as inseguranças. Nesses momentos o sono entorpeci-lhe como remédio eficaz. 
Porém naquela tarde, uma voz aguda cortara o silêncio de suas angústias:
- Ana, tem visita. Era sua mãe, que andava pelos corredores da casa.
Espantou-se.
Diana veio ver-lhe...
Um sorriso ansioso ocupou o lugar da feição preocuda.
Diana era uma amiga de  muito tempo.
-Bom ver-te, disse Ana! Pensando na supresa que os ventos frios do dia, haviam lhe preparado.
Sentaram-se.
Olhavam-se. Os sorrisos alegres colocavam brilho nos olhares contentes, ainda meio sem graça.
Conversaram entusiasmadas como que quisessem aproveitar aquele fiapo de tarde, e naquelas poucas horas, falar tudo o que não falavam há muito. Assim, contaram da vida, dos filhos, do fortuito...alegraram-se com as conquistas, esperançaram-se para o dia que as acordaria dali a algumas horas. 
Contaram as rugas de seus sorrisos, que insistiam em participar do diálogo. Aquilo era mais que novidade para ambas, um detalhe que preferiam encarar como atributo do tempo e da vida, nada mais.
A noite caiu leve,contrariando as previsões de Ana.
Abraçaram-se calorosamente, despedindo-se ainda tímidas uma da outra, contudo carregadas de felicidade, como se os momentos há pouco trocados tivessem sido o que procuravam, sem sequer imaginarem, e mais que isso, como algo que  deixaria os portões abertos para aquela amizade pura de sempre.
Ana sorria...

segunda-feira, junho 28

DIÁRIOS DE ANA

...Vendo e ouvindo as cenas complexas e misturadas de sua vida, Ana escrevia seus diários. Na verdade tentava...
Encontrava dificuldade em interpretar algumas situações, pessoas, amigos e a própria família; Equivocadamente ou não, achava que deveria interpretá-los, fazer uma leitura daquilo tudo, para que houvesse o mínimo de compreensão de sua própria vida.
Nesse mix vivo encontrava risos, rostos emocionados, romances e surpresas. Nas crianças que a rodeavam, graça, alegria e cores combinadas às brincadeiras barulhentas. Ansiedade... mas ansiedade gostosa, comum da infância, que quer ir logo às últimas páginas do livrinho de leitura ou à cena seguinte do filme.
No homem da casa tudo medido... carinho e cuidado precisos. Pensava Ana, que somente um coração que recebera muito amor poderia ser tão generoso e companheiro. Prometera a si mesma, um dia entender tanta dedicação.
Por hora tudo aquilo parecia-lhe bom e parecia demais; Por muito tempo não entendeu, chorou e recusou. Culpou-se, achou que não mereceu. Culpou-se mais. 
Absorta em seus pensamentos e conflitos, refugiava-se entre flores, cores e verdes... alimentando-se do que, aparentemente, eram apenas sonhos e fuga; ali ela vivia quase alheia, pequena, porém entendia-se protegida.
De dentro desse íntimo, a sensação de estranheza, de tristeza era grande, para ela ainda havia algo maior a ser compreendido, para que  pudesse ser aceito.
Chorava.
Esperava.
Durante algum tempo, teve a certeza clara de que apenas esperava. Que o mundo girasse, que ao seu redor mudasse, que as circunstâncias ajudassem.
Por muito tempo assim permaneceu, sem arriscar.
Sonhava.
Contudo, num encontro inesperado com uma amiga querida, daquelas que dizem sim, antes mesmo de ouvir o pedido ou a pergunta, recebeu um afago, recebeu palavras que aclararam o que ela julgava ser noite; verdadeiramente, nem se importava mais se o sol nasceria ou se continuaria a chuva, ajudando-a a encobrir as lágrimas.
Naquela tarde sorriu  e milagrosamente acreditou, como se cada palavra fosse um gole de alento...entendeu que ali, talvez estivesse dando o primeiro passo... e o que aprendera, seria suficiente para sustentá-la por algum tempo, até que tudo se ajeitasse permanentemente.
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